Carlinhos Colé

Intensidade x consistência

  • fevereiro 21, 2025
  • 2 min read
Intensidade x consistência

Tem me intrigado o fato de minha resposta causar estranheza quando sou inquirido quanto a meu estado civil — Sou casado a há trinta e cinco anos. São duas estranhezas, aliás. A primeira com relação ao verbo usado na sentença. Sou, quando o mais apropriado hoje seria dizer: estou, que já denota transitoriedade. Sim, reafirmando, não estou casado, mas sou casado. Porque quando me casei, o fiz baseado no princípio da indissolubilidade, que para os cristãos ainda vigora. Sobre o tempo é que se assenta a segunda estranheza que sempre se manifesta em forma de uma outra inquirição:  — com a mesma pessoa? As estranhezas vão se sucedendo a cada esclarecimento. Com a mesma mulher, mais especificamente — eu respondo.

Há de perdoar-me o anacronismo, o leitor moderno, de mente aberta, já afeito à instabilidade do mundo atual. Afinal, venho de outras eras e fui preparado para viver num mundo que já não existe, e tenho necessidade de alguma solidez onde possa sentir apoiadas as plantas dos pés. O que me leva a refletir que a finitude é uma grande benção. É que em tempos de marcha evolutiva tão ligeira os menos resilientes começam a se sentir no exílio. Digo isso sem qualquer amargura. Vivi muito intensamente os anos de minha juventude. Ouvi músicas maravilhosas. Assisti a filmes espetaculares. Me reuni com amigos, bebi, comi, toquei e cantei. Li incontáveis livros que me proporcionaram um prazer intelectual inalcançável a muitos, e fiz muitas outras coisas que fizeram minha vida valer a pena. Entre elas, compartilhar minha cama com uma mulher que foi o único parente a que tive o direito de escolher. Todos os demais entes familiares me foram dados como vieram, com suas virtudes e defeitos, aceitei a todos como dádiva de Deus. Seria um enorme fracasso pessoal repudiar uma mulher que, entre milhares, escolhi, sobretudo depois de dividir com ela dores e alegrias, sonhos e planos, filhos e netos.

Em tempos de tanta gente imatura correndo atrás da própria felicidade a qualquer custo, de relacionamentos improvisados, firmados em razões egoístas, é mesmo de se estranhar que um casamento dure a vida toda. É mais natural que se desfaçam como tudo que é descartável. Penso que muito mais importante do que a intensidade de um amor é a sua consistência.