Ler ‘A Náusea’ é como encarar um espelho mal-ajambrado
João Carlos
- maio 23, 2025
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Se a angústia pudesse ser engarrafada e vendida, certamente teria a etiqueta “Náusea” e o rosto de Jean-Paul Sartre estampado no rótulo. Publicado em 1938, o romance existencialista mais célebre do filósofo francês é um coquetel nada suave de filosofia, crise existencial e um toque de humor negro – daquele tipo que faz você rir e, em seguida, ponderar o sentido da vida.
O protagonista, Antoine Roquentin, é um historiador que parece ter perdido não apenas o fio da meada da vida, mas também o carretel inteiro. Vivendo na cidade fictícia de Bouville, ele registra em seu diário suas reflexões sobre a existência, ou melhor, sobre o absurdo de existir. Se já acordou se perguntando por que raios o universo insiste em ser tão inescapavelmente… presente, Roquentin será seu novo melhor amigo (ou cúmplice).
A célebre sensação de “náusea” que acomete o personagem não é apenas física, mas existencial. Roquentin sente-se sufocado pela simples constatação de que as coisas são o que são – sem propósito, sem essência anterior à existência. Um tronco de árvore não é só um tronco: é uma manifestação crua da realidade, com toda a sua solidez indigesta e gratuita. É nesse cenário que Sartre finca sua bandeira existencialista: a vida não tem significado intrínseco – somos nós que, com nossa habilidade de complicar o óbvio, tentamos enfiar sentido onde não há.
Mas não se engane: apesar do tom melancólico, o livro também tem um charme irônico, quase zombeteiro. A revolta silenciosa de Roquentin contra a normalidade – e contra o tédio que dela advém – ecoa aquele suspiro filosófico de quem já discutiu metafísica num bar às três da manhã. Com frases que dissecam a condição humana, Sartre nos lembra que viver é um trabalho árduo e, às vezes, absolutamente ridículo.
Ler ‘A Náusea’ é como encarar um espelho mal-ajambrado: reflete nossas inseguranças, mas com um quê de graça trágica. Entre a náusea existencial e o riso desconcertado, o livro de Sartre nos desafia a enfrentar o absurdo de existir com um pouco mais de coragem (ou pelo menos com um olhar crítico e bem-humorado).